Defensor Oficioso

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17 junho 2006

Juízes põem em causa depoimentos escritos

A generalização do depoimento escrito em processos cíveis pode pôr em causa a descoberta da verdade. Esta é, em resumo, a opinião de Rui Rangel e Fisher Sá Nogueira, dois juízes experientes de gerações e percursos diferentes.

O fim dos princípios da oralidade e imediação, a falta de garantias de um testemunho livre e ainda o elevado índice de iliteracia da população portuguesa são apenas algumas das questões que os magistrados invocam para criticar a medida prevista no Decreto-Lei n.º 198/2006 que, no âmbito da criação de um regime processual civil de natureza experimental, prevê que as testemunhas de processos cíveis possam depor por escrito, salvo se o juiz exigir o depoimento presencial.

“É um enorme disparate. É não ter a noção do que é um julgamento”, começou por dizer o desembargador Rui Rangel ao CM. “Que garantias temos de que a pessoa está a dizer a verdade?”, questionou o conselheiro jubilado Fisher Sá Nogueira. Os magistrados consideram que com o testemunho escrito, o juiz perde o elemento vivo do depoimento, considerado decisivo para uma boa avaliação da causa: a atitude da testemunha, as hesitações, a vivacidade ou mudanças comportamentais não serão possíveis de avaliar.

Rui Rangel prevê que com a generalização dos depoimentos escritos – prerrogativa dos representantes de órgãos de soberania e que a partir de Outubro abrangerá todas as testemunhas de processos cíveis – passe a haver testemunhos “mais trabalhados”, lembrando ainda que “não há garantia da idoneidade e transparência” dos mesmos. Ou seja, ninguém poderá garantir que uma declaração não foi feita sem pressões ou ameaças de terceiros.

E ambos os magistrados têm ainda dúvidas sobre a preparação dos cidadãos para esta situação. “Suponho que mais de 90 por cento da população portuguesa não estará em condições de depor por escrito”, afirmou Sá Nogueira. Aliás, está é, segundo Rangel, uma das questões que vão originar uma maior preparação das testemunhas: “O índice de iliteracia vai fazer com que a esmagadora maioria dos depoimentos sejam preparados.” O desembargador não tem dúvidas em afirmar que a generalização dos depoimentos escritos “vai permitir subtrair a verdade” e sugere: “Então, acabem com os julgamentos”.

A possibilidade de dispensar as testemunhas da deslocação ao Tribunal, prevista num Decreto-Lei entretanto publicado em Diário da República, insere-se no Plano de Descongestionamento dos Tribunais.

REACÇÕES

"FUGA A PRINCÍPIOS" (Fisher Sá Nogueira, Conselheiro)

“Evita-se a deslocação das pessoas a tribunal, mas é uma fuga aos princípios da oralidade e da espontaneidade. Que garantias temos de que a pessoa está a dizer a verdade? Perde-se a atitude, a maneira como depõe... E há coisas colaterais que podem ajudar na descoberta da verdade. A ideia de abreviar processos vai traduzir-se numa maior lentidão.”

"É UM ENORME DISPARATE" (Rui Rangel, Desembargador)

“É um enorme disparate. É não ter a noção do que é um julgamento. O processo civil precisava de ser mexido, mas não é com estas medidas. O elemento vivo do depoimento é decisivo: a vivacidade com que a testemunha depõe, as hesitações, a mudança de semblante. Assim, não há garantia da idoneidade e da transparência desse depoimento.”

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